Articles tagged with: casa de madeira

ASILO DAS COISAS … ADOÇÃO DE OBJETOS DE MEMÓRIA

Resolvi, faz algum tempo, ajudar meus amigos a encontrarem um bom lugar para objetos que estão atrapalhando. São objetos que precisam ser descartados não obstante ainda manterem valor de uso e troca, principalmente entre colecionadores. Livro, lápis, caneta, chaveiro, disco, equipamentos eletrônicos, obras de arte, coleções, fotos, documentos … muita coisa boa acaba sendo descartada no lixo por simples falta de opção ou, até mesmo, por pressa em descartar grande volume de objetos. Isso ocorre com frequência, por exemplo, quando uma pessoa migra de uma casa para um apartamento, quando se aposenta, quando vende um imóvel, quando o proprietário morre e o herdeiro não tem identidade com o objeto herdado …

Muitas vezes o proprietário de determinado objeto não tem noção do seu real valor ou faz uma análise imprópria sobre seu verdadeiro estado de conservação. Isso ocorre muito com obras de arte que tiveram suas molduras e chassis atacados por cupins. Obras de arte e móveis antigos infestados por cupim são descartados diretamente no lixo, desconsiderando a hipótese de restauro. Objetos de grande valor são sentenciados ao lixo por uma avaliação apressada e equivocada.

Então, o meu trabalho é encontrar o lugar certo para coisas que estão fora do lugar. É auxiliar os amigos a destinarem corretamente algo que ainda tem seu valor, mas que não está mais servindo para ela. Ajudo a passar adiante deixando duas pessoas felizes: quem doa e quem recebe. Muitas vezes o que atrapalha esse serviço de utilidade pública é a pressa estabelecida pelas circunstâncias. Em muitas situações é ‘aqui e agora’, ‘pegar ou largar’, ‘tem de ser pra ontem’. Se vacilar, acaba tudo indo para a caçamba dos entulhos, junto com os restos de materiais de construção da reforma … Eu passei por várias situações dessas, inclusive, quando do desmanche da casa de madeira do casal Mário e Irene Boemer. Muita coisa estava jogada na varanda da casa em demolição, esperando a caçamba do entulho chegar. Cheguei a tempo de recuperar fotografias, documentos e até obras de arte.

 

Nos últimos dias encontrei o lugar certo para: 300 livros de Psicologia; 100 livros de Sociologia e realidade brasileira; 200 livros de Filosofia; 320 livros de Administração e Logística; 1 quadro de W. Smykalla; diversos desenhos de Deólla; 100 moedas estrangeiras; 10 revistas de pauta musical; dístico da Academia de Letras … Reconheço que alguns livros, notadamente os técnicos e didáticos, possuem prazo de validade muito exíguo. Livros de Direito, por exemplo, tem muita pouca serventia de um ano para outro, porque a legislação muda muito rapidamente, então, a reciclagem é o caminho natural …

Caso típico de prazo de validade vencido é a enciclopédia estudantil Barsa. Hoje, simplesmente, não serve para absolutamente para mais nada. Ocupa muito espaço e não possui qualquer utilidade, senão decorativa. Como as pessoas sempre atribuíram a essas enciclopédias um alto valor, ficam com receio de jogar no lixo reciclado e procuram bibliotecas públicas para o descarte. O número desse tipo de doação é tão grande que as entidades resolveram criar ‘comitês internos de avaliação de doações’ para não terem a obrigação de ficar com tudo que é doado em forma de descarte.

Ao criamos a ACRI – Associação de Colecionadores da Região de Itajaí – nossa intenção era justamente dar um apoio técnico às pessoas que herdam coleções, objetos de arte, móveis e peças antigas … e que não sabem exatamente o que fazer com tudo isso. Ajudar a encontrar um bom lugar para esses objetos de memória da nossa comunidade é o objetivo da ACRI. Na verdade, a ACRI e eu, em particular, fazemos o mesmo que as entidades de proteção aos animais quando buscam facilitar a adoção de animais recolhidos nas ruas da cidade. Nosso trabalho também é da busca da adoção de ‘objetos de memória’ para que eles não acabem na lata do lixo. Assim, garantimos a preservação da história de nossa comunidade através de objetos de coleção e decoração.

 

 

UMA CASA NA MEMÓRIA

È muito difícil alguém passar por uma casa com telhado no estilo ‘mansarddach’ sem que tenha a curiosidade aguçada. Afinal, a casa ganha uma estética diferenciada, mais pomposa, destacando as janelas do sótão. A invenção desse tipo de telhado é atribuída ao arquiteto francês Fançois Mansart [1598-1666] mas ele foi muito utilizado pelos imigrantes de origens alemã e italiana em todo o Vale do Itajaí. Segundo definição de Angelina Wittmann, o telhado de mansarda é constituído por “… panos de telhados dobrados (no Brasil chamado de água) na parte inferior, de tal maneira que a superfície inferior da cobertura, geralmente um sótão, existe em declive mais íngreme do que a parte superior. Duas inclinações diferentes no pano de telhado. Este tipo de disposição de duas inclinações cria um espaço adicional no sótão.”

Sempre que passo por uma casa com ‘telhado de mansarda’ recebo uma profusão de  informações vindas do passado, através das lembranças de vozes, cheiros, imagens, sensações as mais diversas. Elas são oriundas do meu tempo de criança, quando passava regularmente minhas férias de inverno no sítio de meus tios na localidade de Machados, no antigo bairro de Navegantes, acessando o outro lado do rio através da passagem da balsa na Barra do Rio. Os Duarte tinham uma casa com este tipo de telhado, com várias águas, formando um sótão mais espaçoso e vistoso.

Como o meu tio era dono de venda, o espaço a mais que a ‘mansarda’ dava ao sótão era reservado para depósito de mercadoria a granel. Uma grande caixa de madeira, com compartimentos estanques para depositar milho, arroz, feijão … ficava à frente de nossas camas. Estas, contendo colchões de palha de milho, com travesseiros preenchidos com pena de aves domésticas. São esses cheiros que me invadem a mente quando avisto uma casa de mansarda. Também vem à lembrança a vista da janela do sótão para a rua geral dos Machados, ainda em terra batida. Chego a escutar o barulho dos meus pés subindo os degraus da escada de madeira e as vozes dos meus primos e suas brincadeiras corriqueiras antes de dormir – incluindo a tradicional guerra de travesseiros.

Aqui em Itajaí ainda consigo ver algumas casas com telhados de mansarda, nas áreas urbana e rural. Recentemente foi demolida a casa da família de Pedro Muller, na rua Anita Garibaldi. Mas, resiste ao tempo uma linda casa localizada na rua Pedro José João – rua geral do Matadouro. A família Furtado mantém uma casa com telhado de mansarda ‘cortado’, em plena avenida Joca Brandão. A mais destacada dessas casas era de propriedade da família Pereira e ficava às margens da Estrada para Florianópolis, depois nomeada de Rodovia Osvaldo Reis, quase ao pé do Morro Cortado. Na frente da casa tinha uma grande figueira que acabou dando a denominação de Figueirinha para toda a localidade.

No interior, volta e meia encontramos uma casa dessas perdida na paisagem.

casa da Família Muller – rua Anita Garibaldi.

 

rua Pedro José João – rua geral do Matadouro

 

Casa da Família Pereira – Av. Sete de Setembro – demolida.

Itaipava

casa comercial na rua Uruguai

Comércio da Família Pereira às margens da rodovia Osvaldo Reis – 1971.

Casa da Família Furtado na avenida Joca Brandão.