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UM CATADOR DE PAPELÃO SALVANDO LIVROS

Catador de papelão na Praça Governador Irineu Bornhausen – foto Magru Floriano

 

Observo um catador de papelão andando pela cidade e fico imaginando quantos livros ele já salvou do lixo. Quantos livros, por suas mãos foram parar em sebos e bibliotecas particulares. As pessoas jogam coisas fora sem terem a minha preocupação em saber do seu valor de uso, muito menos ainda do seu valor histórico. Uma pessoa da família morre e os herdeiros, insensíveis, querem se desfazer rapidamente de todos os objetos pessoais sem valor aparente. Jogar fora é a única regra.

Por isso, há cerca de quarenta anos, me empenho muito em colecionar livros publicados na Região da Grande Itajaí. Meu acervo é composto por mais de dois mil volumes adquiridos principalmente em livrarias e sebos localizados entre o Rio de Janeiro e Porto Alegre, mas tenho muitos exemplares conseguidos junto a catadores de papelão e vendedores ambulantes, como é o caso do histórico ‘Chocolate’ – um homem analfabeto que vende livros no Mercado Velho. Também recebo muitos livros por doações feitas por amigos e conhecidos.

Atualmente, participo de leilões na Internet para adquirir livros em todo o Brasil e na Europa. São livros que fazem referência à história dos municípios da Foz do Rio Itajaí e, também, livros publicados por autores nascidos ou residentes nesta região. A biblioteca conta ainda com alguns originais manuscritos e centenas de exemplares autografados. O objetivo é criar o MUSEU DO LIVRO visando preservar as obras e memórias dos escritores locais. Com esse objetivo, participo de leilões na Internet, frequento sebos [livrarias de livros usados] entre São Paulo e Porto Alegre pelo menos duas vezes ao ano e, através do grupo no Facebook ‘Itajaí de Antigamente’ conto com doações de herdeiros de obras isoladas.

Foi assim, por exemplo, que consegui as obras raras ‘A pequena pátria’ – editada por Marcos Konder no ano de 1923 – doada pela Família Zaguini; e ‘História do Município de Penha’ – do consagrado historiador José Ferreira da Silva – conseguida junto a Carlos Guérios. Pela Internet adquiri recentemente, na Alemanha, o livro de Maria Rahle intitulado ‘Siedler am Itajahy’. O acervo do futuro museu também conta com a ajuda de muitos escritores e colecionadores. Os principais doadores de livros e peças históricas foram o colecionador Carlos Guérios – atual presidente da ACRI – Associação dos Colecionadores da Região de Itajaí, e, o escritor Isaque de Borba Corrêa, que doou, inclusive, muitos originais de seus livros. O empresário Dollor Silva doou recentemente o livro ‘Spies’ publicado nos EUA por Paula Schmitt.

A coleção conta com centenas de obras autografadas e com edições diferenciadas. O livro ‘Memórias de um menino pobre’ de Silveira Júnior, por exemplo, conta com cinco edições. No acervo do futuro museu também estão incluídas peças raras, como é o caso de guardanapos manuscritos do poeta Bento Nascimento; ‘edição-piloto’ de livros de Isaque de Borba Corrêa e Magru Floriano; manuscritos e textos datilografados de José Eliomar da Silva [Timbuca] e Irene Boemer; três livros ‘Celacanto’ com anotações de poemas inéditos do autor Bento Nascimento; dezenas de monografias apresentadas pelos alunos do Curso de Jornalismo da Univali; coleção de cartões postais e fotos – com destaque para imagens do porto de Itajaí; hemeroteca com milhares de jornais – inclusive jornais alternativos e um jornal manuscrito de 1940; coleção completa da revista Blumenau em Cadernos.

Entre os autores com maior número de obras no acervo do futuro museu encontramos: Cláudio Bersi de Souza – com 26 livros; Enéas Athanásio e Fernanda Mazetto Moroso – 25 livros; Magru Floriano – 23 livros; Isaque de Borba Corrêa e Saulo Adami – 19 livros; Marcos José Konder – 16 livros; Henrique da Silva Fontes, Silveira Júnior e Luigi Murici – 15 livros; Nilson Weber e Odilon Fehlauer – 14 livros;  Lausimar Laus e Marcos Konder – 13 livros; Rosa de Lourdes Vieira Silva – 12 livros.

Na lista de obras raras que ainda procura adquirir destaca o ‘Álbum fotográfico – descritivo da Praia de Camboriú’ de Silveira Júnior [1952]; Anuário de Itajaí – edições de 1924 e 1960; ‘Itajahy’ de Reis Netto [1920]. Entre os livros raros que já possuo em posso destacar ‘Os ideaes republicanos’ de Lauro Müller [1912] e ‘Anuário de Itajaí de 1959’ – autografado por Marcos Konder.

Por enquanto todo o acervo está guardado no meu próprio escritório, mas a ideia é criar o MUSEU DO LIVRO nos próximos anos, com ou sem o apoio do poder público. Alguns amigos já sinalizaram com o apoio do aluguel de um imóvel e a criação de um Instituto. Contudo, avalio que ainda é prematuro pensar na criação de uma entidade particular, porque o acervo pode muito bem ser assimilado por uma instituição já existente que tenha projeto de ampliação de suas instalações e acervos. O negócio é não ter pressa e continuar na missão de salvar os livros. Depois, o tempo dirá se realmente todo o acervo pode se transformar em um Museu do Livro e do Escritor.

A ALEGRIA DE UM COLECIONADOR

Parte da coleção de livros temáticos sobre a Região da Grande Itajaí pertencente à Magru Floriano

A alegria de um colecionador não é ter um amontoado de peças, mas chegar a um ponto que sente a falta de certas peças específicas e sair a campo à sua procura. Na minha coleção de livros da Região de Itajaí, por exemplo, sinto falta dos Anuários de 1924 e 1960, do ‘Album descritivo da Praia de Camboriú’ [Silveira Júnior], do pequenino ‘Itajahy’ [Reis Netto] … Tenho esses livros em cópias xerografadas encadernadas, mas procuro seus originais há décadas.

O negócio é não desistir e curtir a prática da garimpagem em sebos, livrarias, bibliotecas particulares e leilões virtuais pelo mundo afora. A coleção acaba trazendo um prazer a mais para o colecionador porque o motiva a sair de casa, viajar, procurar, garimpar, pesquisar na Internet, se relacionar com outros colecionadores e buscar contatos com herdeiros de colecionadores de livros … A coleção é motivadora de sociabilidades.

É indescritível o prazer de ter em mãos um exemplar procurado por um longo período. Foi o que me aconteceu recentemente ao receber do colecionador Carlos Guérios o livro ‘História do Município da Penha’ do historiador José Ferreira da Silva. Fiquei emocionado e, por dias, deixei o livro por perto para ficar admirando sua graciosa beleza. Logo em seguida recebi, de um colecionador de Porto Alegre, o exemplar do ‘Anuário de Itajaí para o ano de 1949’ editado por Marcos Konder e Silveira Júnior. Além de estar em perfeito estado de conservação o livro continha o autógrafo de Marcos Konder. Uma preciosidade.

Atualmente a minha coleção de livros da Região da Grande Itajaí conta com 2.100 exemplares. É uma coleção única e quase perfeita. Considero que faltam cerca de dez exemplares para fechar um ciclo na coleção. Gostaria de ter, por exemplo, todos os ‘Anuários de Itajaí’, ‘Blumenau em Cadernos’ e ‘Vicente Só’. Mas me faltam alguns exemplares que busco em todos os cantos possíveis, principalmente em sebos espalhados entre São Paulo e Porto Alegre. Sei que um dia vou encontra-los e, por isso mesmo o esforço da procura não é sacrifício, muito pelo contrário, é uma atividade extremamente prazerosa.

Dar tempo ao tempo, contar com a oportunidade, estar no lugar certo na hora certa, não desistir, fazer contatos … isto é colecionismo. Dizem que o colecionador de livro é um bibliófilo – um amante dos livros. Não sei se já posso ser considerado um bibliófilo por ter mais de dois mil livros sobre Itajaí em minha biblioteca, o certo é que vê-los por perto me faz muito bem. Sinto-me em boa companhia.