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ARTE OU VANDALISMO ?

Monumento alusivo aos 500 anos do descobrimento do Brasil – Praça João Bauer – tendo ao fundo o muro do Grupo Escolar Victor Meirelles.

Quem costuma andar com calma pela cidade está habituado a apreciar inúmeras obras de arte elaboradas tendo como base grandes áreas muradas. Terminal Portuário de Itajaí – rua Blumenau; Forum Universitário – avenida vereador Abraão João Francisco; Casa da arte – rua Silva; Grupo Escolar Victor Meirelles – Praça João Bauer … são alguns bons exemplos da arte do grafite exercida com maestria em Itajaí. Contudo, também encontramos muita pichação [pixo], principalmente nas praças públicas e seus monumentos. A diferença entre grafite e pichação já rendeu muita polêmica no meio artístico e, pelo jeito, vai continuar rendendo por muito tempo.

A Praça João Bauer, em pleno centro da cidade de Itajaí, é um bom exemplo desse embate feroz entre grafite e pixo. Enquanto os muros do Grupo Escolar Victor Meirelles estão servindo de base para a arte do grafite – merecendo de todos os transeuntes aprovação e reconhecimento – pisos e bustos dessa mesma praça estão servindo de base para a manifestação dos adeptos da pichação. Contudo, ao contrário do que acontece com a arte no muro, a pichação não tem a aprovação da população e usuários da praça, muito pelo contrário.

A arte de muro tem um apelo estético voltado para a imagem colorida, com um visual muito próximo das artes de galerias e, por isso mesmo, dando um aspecto mais saudável para o ambiente da cidade. Bonitas e coloridas as obras do grafite acabam até mesmo valorizando o imóvel que utilizam como referência. Obviamente que todo mundo prefere o grafite à estética do abandono. Em contrapartida o pixo deteriora e desvaloriza o patrimônio que usa como base. Na Praça João Bauer o próprio busto do político que empresta seu nome àquele espaço público é reiteradamente pichado, o mesmo ocorrendo com o monumento alusivo aos quinhentos anos do descobrimento do Brasil.

O grafite usa mais a imagem, enquanto o pixo utiliza mais a escrita. O gravite é uma arte de rua que valoriza o espaço que ocupa, enquanto o pixo está vinculado ao protesto contra a sociedade de modo geral. É a política da degradação de um bem para ferir valores da sociedade, como propriedade e estética burguesas. O pixo, portanto, será sempre vinculado à arte de protesto, arte marginal ao sistema, seus valores e vultos. Não é por acaso que o busto de João Bauer sempre merece por parte dos pichadores um bigodinho no estilo Hitler, apesar dos pichadores saberem muito pouco ou quase nada sobre a vida e obra desse político itajaiense. É o protesto pelo protesto. O protesto que se basta em si mesmo. “O meio é a mensagem’ como sentenciava o canadense Marshall Macluhan.

Mas será que podemos considerar a pichação de um monumento, este em si um objeto de arte, como uma forma de expressão artística? Até que ponto pichação e arte podem tem fins comuns? Qual a fronteira entre vandalismo e pichação? A arte que destrói e corrompe uma outra obra de arte pode ser considerada arte? Ela é útil, necessária, aceitável, desejável, ética …? Em um mundo padronizado, acinzentado, poluído … agir para deteriorar obras de artes em ambientes abertos públicos, deixando tudo ainda mais feio, é uma ação que tem mérito? Ação que enfeia o que é belo pode ser considerada uma ação artística? O feio também pode pertencer ao campo da arte? Enfim, o pixo é arte ou deve, tão-somente, ser visto como uma ação política?

Essa tendência de desvalorizar o patrimônio [público e privado] que lhe serve de base, obviamente, confere ao pixo uma condição existencial de marginalidade. Destruir, enfear, desvalorizar, desmotivar… são todos verbos negativos que, inevitavelmente, estão sempre vinculados à prática do pixo. Uma negatividade marginal que é desejada por seu autor, sempre um militante, um ator engajado na luta contra a sociedade e seu status quo. Ao pichar um monumento o que se busca é agredir o sistema e sua estética conformista e hegemônica. Sem utilizar imagens e, sequer formular uma frase inteira com sentido e mensagem, o pixo pretende dizer tudo através do ato em si. Sendo assim, sequer precisa se explicar e ter sentido. Por isso que alguns críticos consideram a pichação como a mais pura das expressões artísticas, uma vez que ela não passa por filtros da cultura ocidental como razão, consciência, lógica …. é lava incandescente vinda diretamente de um vulcão em ebulição chamado inconsciente.

Contudo, parece evidente que o movimento apresenta inúmeras contradições. A principal delas está nitidamente representada na disputa por conquistar território através das pichações cada vez mais ousadas e onipresentes. Essa ubiquidade busca, por sua vez, conquista de status entre seus adeptos tribais. Então, ao mesmo tempo que nega todos os valores da sociedade contemporânea, volta-se sobre sua própria essência para desejar uma omni praesentia que lhe confere status na tribo marginal. Não fosse esse desejo de onipresença territorial as marcas deixadas não seriam todas padronizadas e seus feitores fariam marcas diferentes e aleatórias a cada intervenção. Mas, cada membro tribal tem sua marca e esta, por sua vez, merece reconhecimento dos demais e, por isso mesmo, tem status.

Colocar uma marca em lugar de difícil acesso, demonstrando ousadia e destemor, rindo do perigo, confrontando proprietários e autoridades, apresentando à cidade o improvável e o inútil … confere ao seu autor status e reconhecimento. Essa compensação social, mesmo que restrita à pequena tribo urbana dos pichadores, confere aos demolidores da estética urbana burguesa a possibilidade da construção de uma nova ordem estética. Então, querendo eles ou não, ao destruir estão construindo. O que resta, no silêncio de todas as madrugas em que atuam os pichadores, é saber se o que pretendem destruir vai dar lugar a algo melhor para eles e para todos os seres vivos sobre o planeta terra.

Afinal, o ato político da pichação é uma utopia ou distopia?