O futuro da imprensa é não ter imprensa. Isto se levarmos em conta que o termo imprensa remete diretamente à atividade de impressão. Não teremos mais jornais/revistas impressos. Mas, não é só isso. Não teremos também jornalismo enquanto atividade profissional remunerada. Teremos comentaristas, apresentadores e animadores de programas em rádio e TV, comentaristas e colunistas nos jornais digitais e nas múltiplas plataformas ocupadas pelas redes sociais na Internet. Atualmente [2024] estima-se que noventa por cento dos jornalistas graduados pelas universidades catarinenses esteja trabalhando no setor de assessoria de imprensa e produção própria de conteúdo digital.
Entre os anos de 1970 e 2000 o normal seria que o jornalista tivesse emprego prioritário em um órgão de imprensa [rádio, TV, jornal, site de notícia] e, fizesse ‘bico’ em assessorias ocasionais. Nos dias atuais [2024] a pirâmide ocupacional se inverteu e a assessoria de imprensa virou o principal mercado do jornalista. São elas que pautam todos os jornais – os que resistiram à concorrência com as mídias digitais – rádio e televisão.
A imprensa está pautada por dois grandes focos produtores de informações: assessoria de imprensa e redes sociais digitais. O problema é que ambos os conteúdos produzidos por eles são tecnicamente medíocres. Enquanto a assessoria só vê o lado da empresa que trabalha, as redes sociais são condicionadas pelo mal do ‘achismo’ e da opinião sem qualificação técnica. O quadro fica ainda mais grave quando colocamos nas redações gente que não sabe escrever e repassa para a IA – Inteligência Artificial – a missão de elaborar o texto a partir de algumas informações coletadas apressadamente na Internet.
No dia 11 de janeiro de 2018 publiquei um texto com o título ‘Quem reclama? Do que reclama?’ na plataforma Facebook. Em 24 horas o material contava com 1.500 curtidas, 1.200 compartilhamentos, 500 comentários vindos de todas as regiões de Santa Catarina. No dia seguinte, o Diário do Litoral publicou um depoimento meu sobre o aniversário de 39 anos do jornal – já que fui um dos seus primeiros repórteres. Apenas uma pessoa me enviou mensagem comentando sobre minha participação na edição do jornal mais lido da cidade.
A pandemia do Covid simplesmente acelerou uma tendência que vinha se desenrolando por muito tempo e, tudo indicava, ainda ia demorar um tempo relativo para se completar. O tempo histórico foi acelerado na pandemia a partir de 2019. Por conta do auxílio do Governo Federal, por exemplo, todas as pessoas com baixa renda tiveram de abrir conta digital e indicar um número de celular, migrando compulsoriamente para o banco digital e seus produtos revolucionários não presenciais, como é o caso de ‘Aplicativo Bancário’ e o sistema de pagamento ‘Pix’. A totalidade da sociedade brasileira foi incorporada à era digital … o resto é história.
Tendo um celular em mãos conectado à Internet por que motivos a população iria esperar até o dia seguinte para ler as notícias em um jornal impresso? Principalmente a plataforma WhattsApp, ao formar grupos de interesses, conecta a pessoa ao mundo real instantâneo. Um acidente na BR-101 é filmado/fotografado e no mesmo instante transmitido por toda a rede na velocidade de segundos. O jornal tinha dois produtos que interessavam ao leitor: notícia e opinião. A notícia é veiculada instantaneamente pelos grupos digitais via WhattsApp, Instagran, Facebook …; a opinião é expressa à exaustão nas redes sociais. Sobrou o que para o jornal do dia seguinte?
Mas, calma, nunca está suficientemente ruim que não possa piorar um pouco mais. Devido ao quadro bipolarizado do cenário político brasileiro, as pessoas começaram a ter o péssimo hábito de desqualificar qualquer conteúdo jornalístico transmitido por determinado veículo de comunicação que não esteja alinhado ao seu grupo ideológico. A Rede Globo é uma das vítimas dessa realidade contaminada ideologicamente, mas está longe de ser a única. Junto a esta escolha pelo órgão de imprensa alinhado ideologicamente vem a tendência de aceitar com muita naturalidade ‘fake news’, desde que a mesma esteja de acordo com suas ideias e interesses ideológicos.
Temos um cenário de tempestade perfeita: fake news, escolha ideológica da fonte de notícia, manipulação de imagens por mecanismos de IA – Inteligência Artificial, fim do jornalismo de múltiplas fontes … tudo isso leva à ascensão e hegemonia do idiota como o comunicador de sucesso. O especialista, o técnico, aquele que estudou durante décadas um determinado assunto, tem de disputar vorazmente com o idiota seu espaço de opinião nas plataformas digitais. No mundo digital todo mundo é doutor de tudo. Ler e estudar deixa-se para depois, porque o agora exige que se lance a opinião para conquistar seguidores.