Determinadas mudanças ocorrem de maneira tão visível que qualquer pessoa pode perceber a diferença sem grande esforço. A substituição do telefone fixo pelo móvel (celular), da máquina de escrever pelo computador, o sumiço dos jornais impressos, a quantidade de carros nas ruas … são alguns dos exemplos que podemos apresentar para atestar estas mudanças que todos percebem. Contudo, nossa sociedade também está passando por muitas mudanças que não são tão visíveis assim, pelo menos aos olhos daqueles menos acostumados a parar para pensar sobre o seu processo de desenvolvimento.

Por muitos anos nos acostumamos a ler textos filosóficos e sociológicos denunciando que a modernidade trocou o ‘ser’ pelo ‘ter’, tornando o ser humano mais materialista e egoísta. Por muitos e muitos anos, notadamente com o advento do capitalismo e a sociedade industrial, a crítica do modelo ‘time is money’ tomou conta das mentalidades que visavam à desconstrução desta mesma modernidade.

Contudo, agora, o que percebemos é um movimento muito interessante onde o ‘ter’ dá lugar ao ‘ver’. Quando todos esperavam que a humanidade poderia dar um passo para trás e voltar seus valores novamente ao ‘ser’, eis que surge uma nova geração de pessoas dando um passo à frente – seria em direção ao abismo? – instituindo o império total do ‘ver’ sobre o ‘ter’ e o ‘ser’. Nesse novo arcabouço de valores comunitários o que temos é uma lógica muito parecida com a lógica anterior. Se antes tínhamos a ideia de que nada valia a pena se não gerasse valor, riqueza, dinheiro; agora, temos a ideia central de que nada vale a pensa se não gera uma imagem que possa ser compartilhada nas redes sociais ou nas diversas plataformas digitais, como é o caso do Youtube.

Um exemplo claro dessa nova mentalidade coletiva está nas cerimônias fúnebres. Cada vez menos pessoas se propõem a comparecer às cerimônias fúnebres. Não que a pessoa morta seja desprezada socialmente ou não tenha amealhado uma boa quantidade de amigos e admiradores em vida. Não! Ninguém se interessa em participar de cerimônias fúnebres porque elas, devido nossa cultura cristã de respeito aos mortos, não cria um ambiente de espetáculo mediático digital. Não é prudente e aconselhável gravar vídeos e fazer ‘selfie’ em um ambiente como a capela mortuária ou um cemitério.

Fosse no tempo antigo, a cidade parava diante do féretro de um empreendedor como Edison Villela, ocorrido em setembro de 2024. Mas, o que vimos foram algumas pessoas dando depoimentos frios e aleatórios sobre sua contribuição ao desenvolvimento da cidade de Itajaí e ao ensino superior do Estado de Santa Catarina. Depoimentos isolados, conversas isoladas, discursos isolados …. e Edison Villela passou à história. O mesmo aconteceu com sua assessora, que morreu dias antes, professora e escritora Rosa de Lourdes Vieira e Silva. Já estou ficando acostumado a ir nesses eventos e ver no local uma dezena de pessoas, geralmente aparentados e amigos muito próximos.

No mundo do ‘ver’ o ‘time is money’ foi substituído pelo ‘olha eu aqui’. Por essa nova visão de ver as coisas do mundo incorpora-se uma nova escala de valores de forma que até o dinheiro é subestimado diante da possibilidade real de se tirar uma boa foto ou gravar alguns segundos de vídeo. Podemos gastar horas e dias, viajar para outros países, gastar dinheiro para comprar algo inusitado e desejado por muitos … para simplesmente bater uma foto e anunciar nas redes sociais: ‘Olhem eu aqui!’ Nessa nova concepção de mundo Paris é apenas uma foto, assim como o carro novo, a cerimônia de casamento, o aniversário surpresa do melhor amigo … menos a cerimônia fúnebre, esta, para arrepio dos arautos do mundo do ‘ver’ ainda resiste, permanecendo no mundo do ‘ser’ e sua finitude. [Magru Floriano]