Terreno baldio na Rua Alberto Werner ainda com a escadinha da frente da casa

Dia desses fui visitar o ateliê do artista visual Wenceslau Neto que, por coincidência, está instalado defronte do terreno baldio que abrigou a casa de meus avós maternos na rua Alberto Werner, bairro Vila Operária. Antes de entrar no ateliê do Wences, fiquei por um tempo admirando o terreno e botando a minha memória para funcionar. Junto com a imagem presente via instantâneos de imagens do passado. Era como se eu conseguisse ver tudo ao mesmo tempo, apesar de serem imagens que representavam fatos passados pelo longo período de sessenta anos. Fiquei imaginando que minha memória era uma cebola, com camadas sucessivas, uma sobreposta a outra de forma simétrica e harmoniosa.

Quando estava nos fundos do terreno, recordando detalhes da estrebaria que meu vô Doca mantinha no local [com sua carroça e carro-de-mola, a máquina de cortar traço para os animais, equipamentos de montaria e de encilhamento para os animais …. ] apareceram os amigos Luan, Álfabile Santana e Rômulo Mafra – que também estavam convidados para uma oficina no ateliê do Wences. Eles, curiosos, foram logo perguntando o que eu estava fazendo ali no meio do mato. Ato contínuo, expliquei que se tratava do terreno dos meus avós maternos e passei, de imediato, a relatar alguns fatos que ocorreram comigo naquele local.

Falei onde minha avó tinha o forno e o fogão a lenha para fazer pão, roscas de polvilho, polenta e musse de mamão com coco … e, numa pequena escadaria – que antes dava acesso à varanda da casa – sentei e comecei a relatar o que eu vivi, aos oito anos de idade, quando do velório, ali naquela casa, do meu tio Odílio Garcia. Fiquei um bom tempo apresentando detalhes e mais detalhes que me vinham à mente em forma de fotografias instantâneas. Ia, naturalmente, servindo-me das coisas da memória como se estivesse desmanchando uma cebola, camada após camada, misturando imagens e tempos. Ali naquele terreno eu revivi, ao mesmo tempo, sessenta anos sobrepostos uns sobre os outros de forma tão nítida que parecia estar diante da realidade concreta.

A memória tem essa característica interessante, de puder misturar tudo sem se perder a exata noção das coisas vivenciadas. Ali, entre os matos do terreno baldio, eu via carroças, carros-de-mola, cavalos, galinhas, forno de lenha, rosca de polvilho, conversas e sociabilidades em família, bolos de aniversários e o velório de um tio que se fez o grande herói de Itajaí. Tudo junto e misturado com uma nitidez que parecia real. No final, ao sair do terreno, resumi todas essas lembranças em uma única lágrima que escorreu vagarosamente por meu rosto de idoso.