Magru Floriano

Considero que comecei ler tardiamente. Ler de forma apaixonada, como uma pessoa que escolhe estar em companhia de um livro. Aos quinze anos de idade – tendo como referência o acervo da biblioteca do Colégio Salesiano – fui me iniciando na leitura como atividade de entretenimento, leitura espontânea, fora das obrigações escolares. Li de Platão a Aristóteles, passando pelo teatro grego; depois, li os clássicos do Renascimento seguindo uma trilha intensa e surpreendente. No caminho me apaixonei por Fernando Pessoa, Willian Shakespeare, Herman Hesse, Khalil Gibran, Lobsang Rampa, Jean-Jacques Rousseau, Victor Hugo, Jorge Amado … Essa paixão me levou a ter uma biblioteca com mais de cinco mil exemplares. Era o meu maior orgulho. Era a materialização da minha autoimagem de leitor.

Acontece que sofri drasticamente com as enchentes de 1983 e 1984 no Vale do Itajaí. Era morador do bairro de Cordeiros – Itajaí SC – e retirar os livros de casa foi um trabalho exaustivo. Na volta à normalidade tomei uma iniciativa drástica: antes de devolver os livros às estantes, resolvi promover uma triagem, ficando somente com os livros que: 1 – serviam como fonte de consulta aos meus estudos; 2 – tinha interesse em reler; 3 – continham alguma importância afetiva. O restante resolvi doar aos amigos e bibliotecas de escolas. O mesmo voltou a ocorrer quando me aposentei, em 2015, como professor da Univali. Resolvi doar aos amigos todos os meus livros técnicos de Comunicação Social, assim como livros que utilizava para lecionar Sociologia, Sociologia Brasileira, Filosofia, História da Educação. Doei de Paulo Freire a Antônio Gramsci; de Celso Furtado a Hannah Arendt.

Atualmente, tenho uma biblioteca geral com menos de quinhentos títulos e uma coleção de livros de autores da Região da Grande Itajaí que ultrapassa a casa dos dois mil exemplares. A minha biblioteca, então, passou por três estágios bem distintos: no início ela era uma biblioteca com títulos gerais, com predominância dos livros que comprei como acadêmico dos cursos de Biblioteconomia, História, Direito e Pedagogia, além dos livros dos meus clássicos preferidos; em um segundo momento, já como professor universitário, predominavam títulos técnicos, indispensáveis para o preparo das minhas aulas; atualmente, a tônica é para a minha coleção de autores do Baixo Vale do Itajaí.

Acontece que como administrador da página no Facebook ‘Itajaí de Antigamente’ recebo muitas doações de livros de autores da região. Então, eu faço uma triagem e mantenho uma boa relação com os amigos nessa atividade de doar e receber doação de livros antigos. No final do ano de 2022 cheguei a receber quase uma centena de livros. Na triagem, fiquei com cerca de trinta títulos e, os demais, doei para amigos que também são colecionadores de livros de Itajaí, como é o caso de Eliezer Patissi, Carlos Guerios e Dolor Silva. A ideia é estimular outras pessoas a também colecionarem livros de autores da região, formando uma rede de colecionadores de livros de Itajaí. De minha parte, tenho o sonho de criar o MUSEU DO LIVRO, onde pesquisadores e leitores poderão encontrar todos, absolutamente, todos os livros escritos em Itajaí e/ou por itajaienses. Na minha avaliação não falta muito para completar este acervo. Entre as faltas, destaco um exemplar do ‘Anuário de Itajaí para o ano de 1924’, um ou outro livro de Lausimar Laus, Arnaldo Brandão e Marcos Konder.  Na medida do possível empreendo um bom esforço em adquirir as novas obras publicadas, mantendo o acervo o mais atualizado possível.

O bom de receber livro em doação e, também, de doar, é que você tem a oportunidade de colocar os exemplares em mãos de pessoas que sabem dar valor a eles. No caso dos livros técnicos que tinha em minha biblioteca, fiquei muito feliz por doá-los a professores que terão neles uma base de consulta rápida. Aposentado da docência, não fazia mais sentido tê-los em casa. A doação, portanto, teve como referência o objetivo de utilidade. Meus livros técnicos são mais úteis nas casas de professores que estão na lida. Fico feliz de saber que eles estão sendo lidos, consultados, emprestados.

O ato de doação de um livro, vale destacar, não é um simples ato de se desfazer de um objeto sem valor que está atrapalhando seu cotidiano, um estorvo, um lixo dentro de casa. Muito pelo contrário, a doação é um ato de desprendimento, porque você considera que o livro tem um determinado valor, mas, que mesmo assim deve seguir seu caminho sendo mais útil em mãos de outras pessoas. Na contramão dessa paixão pelos livros tem aqueles que jogam livros na lata do lixo reciclável como joga uma garrafa vazia de vinho. Para a felicidade dos colecionadores e apaixonados por livros, nos dias atuais, os catadores de papel já têm consciência do valor econômico desses exemplares e a maioria absoluta deles acaba nas prateleiras das livrarias especializadas em livros usados, nossos tradicionais sebos.