No primeiro final de semana do mês de agosto [2022], fiquei de ‘cuidador’ da minha mãe Julita Garcia dos Santos – idosa de 93 anos de idade – respeitando uma escala entre irmãos para dar folga à cuidadora contratada para fazer companhia para ela durante o período noturno. Aproveite os dois dias para organizar a minha coleção de cartões postais de Itajaí em sete álbuns temáticos. A coleção é composta por cerca de trezentos cartões, alguns com quase cem anos de existência. Diante daqueles cartões, muitos ainda em preto e branco, Julita parece que se sentiu estimulada para liberar sua memória privilegiada e, a cada cartão que pegava em mãos, iniciava relatos de vivência de forma contínua e espontânea.

Ao ver um cartão com o navio Carl Hoepcke ela ficou mais contemplativa, mantendo a fotografia por mais tempo em suas mãos. Depois, em tom grave, sentenciou: ‘Eu conheci o Carl Hoepcke no Porto de Florianópolis. Não foi aqui em Itajaí, não, que vi esse navio pela primeira vez, foi em Florianópolis.’ Depois, ficou um tempo em silêncio, paralisada diante da fotografia em preto e branco do ‘Príncipe de Santa Catarina’ – como era conhecido o belo navio da Companhia Hoepcke. Por fim, falou em tom mais reservado: ‘A Bentinha – casada com o teu tio Pedro Floriano dos Santos – morava no Rio de Janeiro e pegou o Carl Hoepcke para ter a sua primeira filha junto à família aqui em Santa Catarina. Acontece que o esforço da viagem fez com que o trabalho de parto fosse adiantado e, acho que ela teve sua filha dentro do navio ou assim que pisou em terra. As vezes as viagens eram muito difíceis, porque as embarcações eram relativamente pequenas e as tempestades não davam trégua.’

Depois, falou sobre outros navios que conheceu durante toda a sua vida de casada com o marinheiro Sebastião Floriano dos Santos que passava boa parte do ano no Porto do Rio de Janeiro. ‘Naquele tempo a gente usava esses navios que faziam o transporte entre os portos brasileiros, principalmente Itajaí e Rio de Janeiro, para mandar e receber encomendas e até cartas. Telefone e telegrama eram muito caros e só uma pequena parcela da população tinha acesso a essas tecnologias de comunicação mais sofisticadas. O negócio era colocar tudo dentro dos malotes dos navios de cabotagem’.

Depois, Julita se deparou com um outro cartão postal estampando o navio Carl Hoepcke passando em frente à Praça Vidal Ramos com muitas pessoas dispostas à beira do rio saudando sua chegada ao Porto de Itajaí. Diante do novo cartão postal ela sorriu e sentenciou: ‘Sempre era uma festa a chegada desses navios porque era gente que chegava, encomendas, presentes, correspondências. Os navios movimentavam, com boas novas, a cidade pacata e sem muita diversão’.

Diante da experiência positiva que tive, agora, todas as vezes que fico de cuidador da minha mãe levo comigo os cartões postais. Assim, fica muito mais fácil conversar com ela e colher depoimentos sobre as sociabilidades da Itajaí de antigamente. Os cartões servem como um gatilho que aciona memórias.