Ninguém tem mais dúvidas sobre as mudanças que ocorreram no Brasil durante as eleições de 2022 no setor de comunicação social. Principalmente durante o período de propaganda eleitoral do segundo turno – mês de outubro – ficou claro para todos os estudiosos que está em evidência uma nova estratégia para se buscar o convencimento de grande parcela da população via instrumentos mediáticos, notadamente as conhecidas mídias sociais, como é o caso do Instagram, Facebook, You Tube, Messenger, TikTok, Twitter, Linkedln, Pinterest, WhatsApp, WeChat. O TSE concedeu, na última semana de campanha, nada menos do que 116 ‘direito de resposta’ à coligação de oposição no Horário Eleitoral Gratuito no rádio e Televisão.

Quem está provocando todas essas mudanças é a extrema-direita. Os pontos referenciais dessa estratégia midiática são os seguintes: 1 – produção em larga escala de fake news em estúdios; 2 – utilização da robótica para divulgação do material produzido; 3 – descredenciamento da imprensa convencional como canal de divulgação; 4 – utilização de redes de simpatizantes como replicantes automáticos dessas informações; 5 – rapidez na produção da informação para criar um círculo de produção/circulação/consumo de maneira que não haja tempo para checagem sobre a veracidade da informação; 6 – total impunidade para os replicantes e dificuldade extrema da justiça em alcançar as fontes originais das informações.

A todo esse mecanismo físico de rede acrescenta-se o discurso ininterrupto que visa o descredenciamento das instituições públicas e sociais como entidades avalizadas para interferir no processo. Congresso Nacional, Tribunal Superior Eleitoral, Supremo Tribunal Federal, mídias convencionais – televisão, rádio, jornal, perdem a capacidade de se apresentarem ao grande público como autoridades credenciadas para falar, opinar e orientar. Das instituições tradicionais sobra, para o grupo ideologicamente vinculado à direita, o discurso e o engajamento oficial das igrejas. Esse vínculo entre o discurso conservador e a igreja possibilita a atualização e avivamento de ideias superadas ao longo dos séculos, notadamente as que dizem respeito à condição da mulher na sociedade, liberdades individuais, direitos civis e estado laico.

A estratégia de inundar o ambiente com informações falsas/distorcidas produzidas em estúdios visa criar uma sensação de não se saber mais exatamente o que é verdade e o que é mentira. Com as instituições tradicionais desacreditadas, com a grande imprensa jogada no canto, em segundo plano, com a opinião do vulgo se sobrepondo à análise do especialista, com a religião rejeitando a ciência … temos um ambiente onde nada é passível de ser imediatamente detectado como fato/realidade ou falso/mentira. A ideia é confundir para reinar. Espalhar a mentira com tal intensidade que a verdade fique asfixiada. A pauta é sempre negativa, porque trata-se de estar sempre desmentindo, desfazendo, corrigindo. Há uma desconstrução da verdade/realidade e o estabelecimento do império da dúvida. Uma dúvida que acaba favorecendo quem pratica o mal porque solapa a autoridade das instituições.

A matéria-prima dessas informações criadas em laboratório são os próprios fatos, portanto, a ideia é sair da realidade para a distorção sistemática a ser reproduzida em grande escala. No segundo turno o candidato a governador de São Paulo – Tarcisio de Freitas – estava visitando uma escola na localidade de Paraisópolis – periferia da Grande São Paulo – quando a polícia trocou tiros com um grupo de marginais. Imediatamente a rede foi tomada por milhares de comunicados ‘urgentes’ assegurando que o candidato bolsonarista havia sofrido um atentado eleitoral. Não adiantou as grandes redes de televisão e rádio divulgarem a versão correta – identificando o episódio como ocorrência policial corriqueira – na rede correu como rastilho de pólvora a versão fake de que Tarcísio tinha sofrido atentado.

O mais interessante desse processo de divulgação de fatos distorcidos em estúdios é que as pessoas comuns que replicam o material disparado por redes robóticas não possuem qualquer compromisso em desmentir a informação depois de constatarem que tudo não se tratava de apenas mais um caso de polícia. Essas pessoas já estavam preocupadas em divulgar a mais nova fake news, a mais nova novidade, a próxima … e a vida segue.  Há pressa em se divulgar a informação truncada, mas não há qualquer compromisso ou interesse em desfazer o erro. Isso porque não se trata exatamente de um erro, já que a informação foi divulgada por tratar-se de material de interesse ideológico de campanha. A fake news é sempre uma informação que interessa ideologicamente a quem a replica. A essa pessoa não interessa se é verdade ou mentira, mas tão-somente se a informação está de acordo com seus interesses político-ideológicos. Não há compromisso com a verdade, mas com a campanha do seu candidato. Nesse ponto, há uma convergência de interesses entre quem produz a informação distorcida e quem a replica na rede.

As redes sociais viraram um grande monstro marinho ameaçando a livre navegação pelos mares democráticos. O Facebook conta com quase 3 bilhões de usuários, seguido pelo You Tube [2,56 bi], WhatsApp [2 bi], Instagram [1,45 bi], WeChat [1,25 bi], Messenger [1 bi], Tik Tok [970 milhões], Linkedln [830 mi]. Uma extensa rede internacional que faz a mensagem ser produzida em qualquer lugar do mundo para fugir da legislação local. O problema da interferência desse material internacional nas eleições brasileiras só não está sendo imensamente maior porque a Rússia invadiu a Ucrânia e, há um ano, colocou toda a sua inteligência interna a serviço da guerra. Estava previsto que aconteceria com o Brasil o mesmo que aconteceu na eleição entre Biden e Trump nos EUA, com um bombardeamento de informações oriundas da Rússia e países amigos visando interferir diretamente no processo eleitoral.

Por isso mesmo não é uma tarefa fácil às instituições combaterem essa prática predadora dos valores democráticos. Primeiro porque trata-se de material produzido por especialistas, gente que domina técnicas de comunicação de massa e sabe exatamente o que faz; segundo, há muito dinheiro disponível para estruturar a rede em nível internacional com uso da robótica; terceiro, a mensagem original é replicada por metade da população que se identifica com seu conteúdo; quarta, não há como colocar todos os replicantes sob a tutela da justiça obrigando imediatamente a correção do erro, criando um sistema de total impunidade; quinto, a própria justiça já foi anteriormente descredenciada/desacreditada como autoridade para interferir no processo. Os ataques sistemáticos ao TSE/STF fazem parte de toda essa lógica perversa que atenta contra o sistema democrático.

Mas qual a melhor estratégia para combater esse ‘gabinete do ódio’ produtor de uma infinidade de conteúdo distorcido visando solapar os alicerces democráticos? Não é uma tarefa fácil e ainda não se encontrou o antídoto ideal. TSE/STF, grandes mídias, ONGs, organizações internacionais … estão todos perplexos, desorientados, sem saber exatamente o que fazer para defender o sistema democrático sem utilizar medidas restritivas que possam, lá na frente, fazer com que o remédio aplicado em dose errada vire ele mesmo um grande veneno.