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MAIS TECNOLOGIA MENOS EMPREGO

Magru Floriano

No dia cinco de abril de 2023 a Prefeitura de Itajaí apresentou os dois carros que passariam a ser usados na atividade de monitoramento do novo sistema público de estacionamento nas ruas do Centro da cidade. Conversando com os funcionários públicos responsáveis pelo projeto de monitoramento por câmeras instaladas nos veículos, notei o orgulho deles pelo uso da alta tecnologia e, a forma positiva como sentenciavam que os dois carros substituíam trinta e cinco pessoas. Os veículos passavam, filmavam e já enviavam a imagem para uma central, responsável pela expedição da respectiva notificação ao proprietário de veículo infrator.

O sistema de estacionamento nas ruas de Itajaí, elaborado pela empresa ‘Vago’, é todo digital. O carro da Codetran passa em baixa velocidade, registra a placa do carro estacionado, confere se ele está inscrito no sistema e está pagando pela vaga. O motorista tem diversas opções para quitar a vaga que vai usar: a primeira é utilizar seu próprio celular, através de um aplicativo; a segunda é comprar um cartão no comércio local; a terceira é comparecer até um dos totens que a empresa instalou em diversos pontos da cidade e pagar em dinheiro, cartão ou pix – no celular.

Não tente encontrar alguém da empresa ou da Codetran para receber qualquer tipo de orientação. As pessoas sumiram. Elas não são necessárias e foram substituídas por carros, aplicativos, câmeras, Internet, cartões, totens … As poucas pessoas empregadas estão no volante dos carros e atrás das telas dos computadores aplicando as multas que você vai receber tempo depois pelo correio ou no seu celular, via aplicativo específico da ‘Vago’ ou da ‘Codetran’.

A máquina tudo vê e é implacável no cumprimento da lei. Inútil querer argumentar, porque não há mais com quem dialogar. Daí, eu começo a entender porque está se tornando mais frequente encontrar pessoas fazendo caretas e trejeitos em lugares públicos, dando sinais de alguma anormalidade psicológica e comportamental. São pessoas que estão reagindo, sadiamente, à vigilância implacável das câmeras. Ao notarem que estão sendo filmadas – no elevador ou na porta do edifício – fazem ‘caras e bocas’ para a máquina. As mesmas máquinas que estão ameaçando roubar-lhes os empregos.

Por outro lado, todo mundo fala que é um absurdo o uso intensivo de tecnologias na área da Inteligência Artificial, mas acaba utilizando a tecnologia que as empresas incorporam a seus produtos. No primeiro semestre de 2023 comprei um carro automático, pela primeira vez não precisei utilizar um pedal resistente – embreagem – para passar a marcha. A minha coluna e o meu joelho agradeceram. A tecnologia embarcada é cada vez maior nos veículos. No meu novo Honda também experimentei utilizar ‘bluetooth’ para conectar diretamente o meu celular ao sistema de som ambiente, fazer ligações de celular a partir de comandos no volante, a utilizar o sistema ‘cruiser’ para o carro controlar a velocidade média durante a viagem … ou seja, passei a utilizar um grande número de tecnologias que facilitam a minha vida no trânsito.

Também este ano passei a utilizar o cartão magnético por aproximação e a pagar contas pelo sistema ‘pix’. Lembro que sempre fui resistente às inovações nessa área bancária. Primeiro, resisti até quando pude em utilizar os cartões eletrônicos  para fazer pagamentos no comércio. Dava preferência ao uso de cheque e dinheiro que retirava direto no caixa do banco. Também evitava totalmente o uso dos caixas eletrônicos para fazer pagamentos ou retirar dinheiro. Ficava em filas enormes, mas preferia ser atendido por um ser humano. Muito tempo se passou até que, por necessidade, passei a utilizar os caixas eletrônicos para pagar boletos e retirar dinheiro. Passei um tempo utilizando os cartões magnéticos somente para retirar dinheiro nos caixas eletrônicos das agências bancárias, nunca para pagar contas diretamente no comércio. Mas, acabei utilizando os cartões e gostando da facilidade. Mesmo assim, quando recebia um cartão novo pedia para o atendente anular a opção de pagamento por ‘aproximação’ por questão de segurança. Foi a última batalha contra a tecnologia bancária. Antes dela, tive uma batalha de trincheira no uso de aplicativo bancário no celular. Primeiro, só utilizava o aplicativo para ver saldo. Muito depois comecei a pagar alguns boletos e, por último, fazer pagamento por pix e TED.

Hoje, tomei a decisão de não reagir mais ao uso intensivo de tecnologia no meu cotidiano: seja o que Deus quiser!

LUGARES E NÃO-LUGARES DE UMA CIDADE

Igreja Imaculada Conceição – foto Magru Floriano

Algumas pessoas ainda não perceberam que a cidade é um ambiente vivo, dinâmico (composto por muitos lugares e não-lugares) e por isso andam pela cidade como se ela fosse constituída por um território homogêneo. A vida moderna leva as pessoas a permanecerem a maioria do tempo em três lugares: residência, trabalho, igreja. Uma parcela também opta por um quarto lugar: clube recreativo ou local onde pratica seu hobby. A cidade se transforma, para essa maioria, em um círculo-vicioso, um território marcado, um sítio cercado. Fora desses locais pontuais, tudo é não-lugar onde a população acelera rumo aos tradicionais abrigos seguros, como se fossem abrigos subterrâneos em período de guerra. Passamos correndo por tudo e todos e mal conseguimos perceber cheiros, cores e rostos.

De nossa parte tomamos o cuidado de “aproveitar” melhor a cidade, frequentando outros lugares para além da residência, trabalho, igreja e clube recreativo. Lugares onde sentamos para conversar com pessoas e promover a tradicional crônica diária ou semanal. Itajaí tem muitos lugares especiais como a “Cocada” – nosso senadinho – e os mercados (Mercado Velho + Mercado de Peixe).

A Cocada surgiu no tempo em que a própria Rua Hercílio Luz era um lugar. Ali tínhamos a loja do Narciso, Alfredinho, Balinho, Laercinho, Germano…. Mas, o tempo transformou esse lugar em um não-lugar, onde encontramos as lojas Pernambucanas, Bahia, Marisa, Salfer …. cujos donos não conhecemos e jamais conheceremos. O passado do lugar Rua Hercílio Luz guarda as conversas com o “Seu Macedo” e o “Seu Graff”. No início da rua tínhamos o resumo desse lugar, a Cocada, onde no final do dia, no Café do Zena, os homens da cidade faziam sua crônica política e social. Para a juventude tínhamos o “muro do guarani” onde iniciava o tradicional namoro (footing) antes e depois das missas e também das sessões cinematográficas.

Contudo, a cidade resiste e busca mecanismos não convencionais para manter a Praça Vidal Ramos como um lugar. O Café Democrático e o Bar do Zena deram lugar a uma farmácia, mas os homens sentam à mesa da Lanchonete da Beti, cujas portas abriram a alguns metros para dentro da Rua Hercílio Luz. Quase ninguém mais senta nos bancos sombreados pelos oitis da Praça Vidal Ramos, mas a Cocada mantém seu espírito público, preservando o lugar histórico da cidade. Quem frequenta a Cocada, antes de tudo preserva o lugar e a memória da cidade pelo simples fato de ali estar.

Também temos nos sábados ao meio-dia os encontros nos restaurantes dos mercados (Mercado Velho e Mercado de Peixe). Muitas pessoas percebem nesse lugar o espírito de ser do itajaiense. O cheiro do pescado, a conversa na mesa ao ar livre, a descontração ao som de música ao vivo, os chapéus do Pedrinho, a banca dos japoneses …. Os mercados formam um lugar especial na cidade de Itajaí. Quem ainda não frequentou os restaurantes dos mercados não pode dizer com convicção que conhece o espírito do itajaiense.

Por muito tempo mantivemos a Pastelaria Marilú como um lugar, assim como a Baiúca do Egídio, Rangal´s Dusky´s, Lanchonete 1040 com sua canja da meia-noite e o Seare´s Bar do nosso memorialista Sebastião Armando Reis. Nossos clubes recreativos (Vila, Fazenda, Tiradentes, Sebastião Lucas, Guarani, Itaipava, Fiúza Lima, Grêmio XXI de Julho ….) foram lugares para uma grande parcela de nossa gente. Assim como também o foram os estádios dos clubes Almirante Barroso e Marcílio Dias nos tempos dos clássicos futebolísticos e a Praia de Cabeçudas.

Assim como a Rua Hercílio Luz deixou de ser lugar para estruturar-se como um “não lugar” por não espelhar mais a identidade da cidade e sua gente, nada representando para seu povo além de um espaço de passagem cotidiana, assim também deixaram de ser “lugar” nossas sociedades recreativas e nossos clubes de futebol profissional. Muitos desses lugares cederam espaço para o “não-lugar midiático e digital”. Eu próprio frequento dois lugares comunitários digitais: o grupo “Itajaí de antigamente” no Facebook; e, o grupo “confraria” em sistema coletivo de e-mail.

No grupo “Itajaí de antigamente” postamos fotos antigas de Itajaí, suas instituições e famílias, para depois provocar nossas memórias coletivas. Interessantíssimo sob todos os aspectos, apesar de pouco convencional. No grupo “confraria” enviamos a um grupo fechado de amigos mensagens eletrônicas temáticas acerca da realidade político-social brasileira e esperamos dos parceiros respostas analíticas e reflexivas sobre o mesmo tema.

O problema é que a internet simplesmente não é. Não tem cheiro, não tem expressão. Não tem sentimento exposto à flor da pele…. A internet não é lugar algum. Não podemos dizer que o grupo “Itajaí de antigamente” tem lugar na cidade. Não podemos dizer que seus milhares de “amigos” efetivamente se relacionam comunitariamente. Afinal, deve ser corriqueiro eu passar por uma pessoa na rua com a qual me relaciono diariamente na internet sem reconhecê-la como minha companheira de lembranças e reminiscências no “Itajaí de antigamente”. Somos íntimos no mundo virtual e desconhecidos nos lugares da cidade.

No meu tempo de criança no Bairro São João a rua de macadame era nosso lugar especial. A Rua Max se transformava diariamente em parque infantil completo. Ali brincávamos de futebol, de corrida, pega-ladrão, cantigas de rodas, carrinhos de rolimã … As ruas dos nossos bairros foram asfaltadas e transformadas todas, sem exceções, em não-lugares, onde é muito perigoso parar até mesmo para conversar. É o carro que passa em alta velocidade ou o ladrão que está à espreita esperando a oportunidade de assaltar. As crianças foram para dentro de casa jogar videogame.

Bem, é assim que eu identifico os “lugares” e os “não-lugares” da cidade de Itajaí. Uma cidade é mais especial na proporção que oferece lugares para seus moradores. Quanto mais lugares e menos “não-lugares” oferecer, mais aconchegante é a cidade e mais qualidade de vida ela apresenta ao seu povo.

Quais são os teus “lugares” na cidade de Itajaí?

ASSIPAM – PIONEIRISMO NO MOVIMENTO ECOLÓGICO

Neste meado de agosto [2022], recebo um telefonema do professor Gilson convidando para o evento alusivo à passagem dos quarenta anos da fundação da Assipam – Associação Itajaiense de Preservação Ambiental. Contando com a liderança carismática e visionária do professor Amaro da Silva Neto, a instituição foi a pioneira no enfrentamento contra o progresso desenfreado e desmensurado que a Região da Grande Itajaí assiste há quatro décadas. Um pioneirismo, infelizmente, que não contou com muito apoio, e, sequer, conseguiu sobreviver por muito tempo. Pior, ao fechar suas portas ‘nada ficou no lugar’ e o progresso grassa ‘livre, leve e solto’ como se não houvesse amanhã. Assim, é fácil concluir que a ASSIPAM faz muita falta para as cidades da Região da Grande Itajaí.

No dia 09 de setembro de 1982 o professor Amaro criou oficialmente a Assipam, contando com a participação de muitos jovens que aceitaram o chamamento da luta ecológica contra o crescimento desordenado das cidades da Foz do Rio Itajaí, notadamente Itajaí, Navegantes e Balneário Camboriú. No ano seguinte, eu respondia pela direção cultural da Casa da Cultura de Itajaí [ainda não tinha o nome de Casa da Cultura Dide Brandão], e, na medida do possível, emprestei à instituição e ao movimento ecológico o apoio logístico necessário, inclusive sala para reuniões e confecções de cartazes. Muitos eventos foram realizados e a juventude respondeu com certa rapidez aos chamamentos do jovem professor Amaro. Assim, a Assipam experimentou um breve tempo de efervescência.

Entre debates, passeatas, trabalhos de conscientização nas escolas …. ficaram registrados bem forte na minha memória os históricos acampamentos promovidos pela Assipam tendo como local o entorno do antigo prédio que abrigava o Cassino do Clube Guarani, na Praia Brava. Uma área ainda preservada, de frente para o mar, que começava a sentir os primeiros efeitos da especulação imobiliária desordenada e tóxica. Eu fui o sócio de número setenta e cinco da Assipam e contribui com essa instituição enquanto funcionário público e cidadão.  Não foram poucas as vezes que recebi pressão para inibir a ação da juventude que peripateticamente se reunia em volta do professor Amaro, considerada ‘horda de malucos, baderneiros e marconheiros’. Muitos pressionavam para que a Casa da Cultura não desse guarida à juventude que ensaiava os primeiros passos na luta pela preservação ecológica na Região da Grande Itajaí. Um pioneirismo feito de incompreensões, pressões ilegítimas e muita discriminação por parte da elite político-econômica.

Não é de se admirar, portanto, que a Assipam sobreviveu apenas quatro ou cinco anos … preservando-se apenas nas memórias de seus jovens associados [agora cinquentões e sessentões] e nos anais da história regional como a entidade pioneira em pautar a ecologia no ambiente tóxico do desenvolvimento caótica de nossas cidades. O professor Amaro era um visionário e, por isso mesmo, ficou na história como o primeiro grande líder ecologista da Região da Grande Itajaí.

A NOVA LITERATURA ITAJAIENSE E A POÉTICA DE SANDRO SILVA

Aproveitei a Feira do Livro do V FLI – 5ª Festival Literário de Itajaí – para colocar a minha coleção de autores itajaienses em dia. Ao todo consegui agregar à minha biblioteca vinte exemplares. Até agora, já li dois livros de prosa de André Soltau, o livro infantil de Dalila Weiss, os livros de poesias de Samuel Costa e Clarisse da Costa; Giovanni Sagaz; India Alves; Mabel Pessoa Spindola; Eliss Castro… estou lendo o livro de poesias de Sandro Silva. Ao ler a literatura contemporânea itajaiense fiquei com a sensação de que o trabalho autoral dos escritores locais está ganhando uma qualidade excepcional. Na poesia, por exemplo, são admiráveis os textos de Eliss Castro e Sandro Silva.

Sandro Silva, o Sandrinho do Diário do Litoral, remete seu leitor a uma viagem regressiva à poética de Bento Nascimento. Esses dois escritores têm muita coisa em comum, mas destaco o determinismo poético estabelecido a partir de insights contendo sempre a mesma lógica jocosa, com um tom de comicidade que insinua um modo de vida ‘a la Chalaça’. Esse estalo súbito que tanto inspira os poetas – Bento e Sandrinho – tem na sua essência uma carga enérgica de chiste, facécia, gracejo, fazendo com que o poema, mesmo que sério, fique perdido no limbo, entre o triste e o alegre, entre o trágico e o cômico … indefinidamente. O ponto comum entre os poemas de Bento e Sandrinho é justamente essa gênese irreverente. São, portanto, frutos de lampejos, ‘raios que caem de céu azul’ ornamentados por chistes espirituosos.

Claro que Bento e Sandrinho são pessoas bastante diferentes. Quem teve a oportunidade de conviver com os dois sabe muito bem dessas diferenças. Diferenças que estão bem definidas nos próprios versos desses escritores. Bento vivia no extremo da liberdade pessoal e para esse seu território anárquico conduzia sua escrita. Retratava em seu comportamento o cinismo filosófico de Antístenes e Diógenes e não se envolvia muito a sério com nada, de sexo à política. Sua literatura, portanto, era uma peça solta no ar, pura manifestação de seu espírito livre e criador. Já, Sandro Silva tem um histórico de comprometimentos sociais, fazendo que sua literatura esteja sempre engajada.

Ler Sandro Silva, portanto, nos deixa com a impressão de que estamos lendo um Bento Nascimento que resolveu, do dia para a noite, se engajar em causas sociais. Acho, de certa forma, que a literatura de Sandro Silva leva vantagem em relação à literatura de Bento Nascimento. Isso porque, Sandro pega algo muito bom de Bento Nascimento, que é esta mágica de aproveitar insights jocosos para compor versos livres, leves e espirituosos, mas … mas, acrescenta a eles doses generosas de engajamento, de comprometimento com causas sociais emergentes. Eu gosto … e gosto muito!

 

‘Alguns esperam amores.

Outros que a lua apareça,

Cheia e linda.

 

Ela, no ponto,

Cansada da vida,

Só espera o ônibus.’

NOVOS DOCUMENTOS E A LITERATURA HISTÓRICA SOBRE ITAJAÍ

É muito comum que os leitores de livros que versam sobre a história de uma cidade considerem o relato sobre a origem de um determinado lugar como algo ‘imexível’, fixo, pronto e determinado. Mas, para contrariar esses leitores e pesquisadores comodistas, vez e outra, aparecem novos documentos que obrigam aqueles que promovem a narrativa histórica a repensar muitos dos dados até então considerados inquestionáveis, assim como a refazer a própria narrativa histórica para preencher grandes lacunas até então existentes por falta de uma prova material fidedigna.

Na narrativa histórica de Itajaí não faltam exemplos de achados que mudaram a trama histórica local. Por exatamente um século era normal afirmar que ‘Itajaí não tem história conhecida’. Por volta de 1920 Marcos Konder descobriu documentos no Rio de Janeiro e Florianópolis que possibilitavam a narrativa de que Antônio de Meneses Vasconcelos de Drummond recebeu a incumbência de fundar uma colônia na região da foz do Rio Itajaí. Com esses documentos em mãos, Marcos Konder tratou de construir uma narrativa toda própria sobre a fundação de Itajaí, sua ‘Pequena pátria’.

Décadas depois dessa primeira narrativa já ter se consolidado a ponto de se tornar hegemônica e oficial, o historiador José Ferreira da Silva conseguiu documentos que provavam que as terras utilizadas por Drummond para fundar a primeira colônia na região estavam localizadas, a bem da verdade, às margens do Rio Itajaí-Mirim, no Tabuleiro, a doze quilômetros de distância da foz do Rio Itajaí. Foi o suficiente para se ter um embate intenso sobre a fundação de Itajaí que envolveu dezenas de intelectuais e ganhou muito espaço na imprensa regional por décadas. Os documentos em mãos de Marcos Konder indicavam a fundação de Itajaí por Drummond. Os documentos em mãos de José Ferreira da Silva indicavam a fundação de Itajaí em outro ponto tendo como liderança Agostinho Alves Ramos.

Sobre o processo fundacional de Itajaí eu considero que devemos continuar procurando documentos, principalmente no Arquivo Nacional, que possam esclarecer melhor as realizações de Drummond no Tabuleiro às margens do Itajaí-Mirim, bem como, a possível utilização do ‘Caminho do meio’ [hoje Estrada Geral do Rio do Meio] como um corredor logístico ligando este empreendimento à Colônia Nova Ericeira [atual Município de Porto Belo]. Se um dia forem encontrados documentos sobre a utilização mais detalhada deste caminho colonial e a ligação direta entre as colônias Nova Ericeira – São Tomaz de Vila Nova, novas narrativas históricas terão de ser construídas, tirando da foz do Rio Itajaí o protagonismo da colonização e, por consequência, da fundação de Itajaí.

Novos documentos históricos são descobertos todos os dias e, nada desabona, a ideia de gradativamente irmos preenchendo lacunas que encontramos facilmente na narrativa histórica da gênese da comunidade itajaiense. O ponto mais lacunar dessa narrativa encontramos, justamente, no tocante à fundação da Colônia São Tomaz de Vila Nova, por Drummond, às margens do Rio Itajaí-Mirim. Por outro lado, tudo indica que novos documentos chegarão às nossas mãos brevemente, devido ao processo rápido que está ocorrendo a digitalização dos acervos públicos em Florianópolis e Rio de Janeiro.

Nessa última semana de abril [ano de 2022] presenciei um evento que bem serve de exemplo para ilustrar essa postura esperançosa na descoberta de novos documentos que possam elucidar determinadas passagens históricas ainda lacunares. O colecionador Carlos Guérios comprou em leilão na cidade de São Paulo documentos originais do processo que o Estado de Santa Catarina manteve contra o diretor da Fábrica de Papel Itajahy, Victor Kleine, por suposta simpatia à Alemanha em plena Segunda Guerra Mundial. Estes documentos estavam integrando uma coleção de selos de um filatelista de São Paulo e foram doados à AAMAPI – Associação dos Amigos do Museu e Arquivo Público de Itajaí. Ao receber os documentos, seu presidente, historiador Edison d’Ávila, destacou que o Arquivo não tinha até agora um documento oficial sobre as prisões de descendentes germânicos que ocorreram durante a Grande Guerra. O que se tinha eram, tão-somente, relatos escritos e orais.

A PANDEMIA DO BARULHO

Nasci em Itajaí no ano de 1956 e nunca senti essa sensação de ocupação total e desordenada dos espaços públicos que sinto nos dias de hoje. Para todos os lados que olho tem uma multidão. Não há mais um cantinho sequer onde posso contemplar a natureza, andar calmamente ou sentar em um banco sem que escute barulhos de canos de escapes desregulados, buzinas de carros e caminhões em engarrafamentos, sons alucinantes de pequenas caixas de som. Praças, ruas, praias, mirantes, rodovias, pesque-pagues … tudo lotado. Não há dúvida de que o silêncio é a grande vítima da pandemia do Coronavírus, transformando a era pós pandemia em um tempo de culto ao barulho.

Saídas do confinamento social imposto pela pandemia as pessoas demonstram uma intensa necessidade de ver gente, fazer barulho, gritar por liberdade e refazer sociabilidades. Parece que elas sentem como se estivessem acordando de um estado de coma prolongado, e, agora, desejam recuperar o tempo perdido. Demonstram que estão com pressa, agitadas, irrequietas. Nesse momento, quanto mais barulho melhor, quanto mais gente melhor, quanto mais agitação melhor. As pessoas querem aproveitar intensamente o momento como se não houvesse amanhã. Elas perderam a tranquilidade e o senso de aproveitar o tempo ao seu tempo, um dia após o outro, com parcimônia. Querem tudo agora, nesse exato momento. Um ambiente psicológico de ‘presentíssimo’², onde as referências existenciais de passado e futuro são completamente anuladas. Só existe o presente e, ele deve ser vivido intensamente.

Quando passo por alguns pontos do meu ‘território de infância’¹ é inevitável que faça algumas comparações – confrontando imagens do presente e do passado – demonstrando total perplexidade com o que está ocorrendo atualmente. Ali, na rua Indaial, eu andava sobre os trilhos do trem para transitar entre o Bairro São João e o Parque Dom Bosco. Era um caminho de brincadeiras e raramente via um carro ou carroça passando na rua que corria paralela aos trilhos. Hoje, está quase impossível transitar pela rua Indaial, porque tem engarrafamento a toda hora em qualquer dia da semana.

Por toda a cidade existiam grandes áreas de terras não cercadas que serviam para a improvisação de um número interminável de campinhos de futebol. Era difícil encontrar uma rua que não tivesse pelo menos um campinho de futebol com piso de cepilho e pó-de-serra. Eram as nossas áreas de lazer, improvisadas, sem a necessidade da Prefeitura gastar dinheiro com infraestrutura e equipamentos. Hoje, é carro para todos os lados – transitando e parado. Encontrar uma vaga de estacionamento nas ruas de Itajaí é uma missão que requer muita paciência mesmo nas áreas urbanas periféricas. Todo mundo quer carro e moto, deixando o transporte coletivo à mingua, sobrevivendo às custas do favor público. Sem a rua para exercer suas sociabilidades o povo ruma, em fila, para a área litorânea. Diariamente, uma multidão ocupa o ‘Caminho de Sodegaura’ em direção à Cabeçudas. A Praia Brava, que era uma praia agreste, onde cheguei a acampar e pescar em total solidão, está sendo minada por condomínios de luxo compostos por edifícios gigantescos. Já não existe limite visível entre as cidades de Itajaí e Balneário Camboriú e, tudo indica que em menos de uma década o mesmo deve ocorrer em direção a Brusque, Ilhota e Camboriú.

Meu ‘território de infância’ foi invadido por uma horda de bárbaros que no lugar de usar espadas usam caixas de som e buzinas. [magrufloriano2008@gmail.com].

 

 

1 – Território de infância – expressão utilizada por Lausimar Laus.

2 – Presentíssimo – termo utilizado por Magru Floriano no seu ensaio intitulado ‘O tempo da história – reflexões sobre o tempo, memória e história’, ainda em manuscrito.